quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O CONTO CEARENSE DE CAIO PORFÍRIO CARNEIRO


O CONTISTA















Caio Porfírio de Castro Carneiro, cearense de Fortaleza, contista, novelista e romancista, no convés da fragata desde 1928, em sua longa jornada literária foi laureado várias vezes, incluindo o Prêmio Jabuti e o Pen Clube de São Paulo. Seus contos estão contidos em duas dezenas de antologias e traduzidos para várias línguas, o inglês, inclusive. O romance Sal da Terra foi traduzido para o italiano, árabe e francês, sendo depois adaptado para o cinema. Porfírio também escreveu literatura juvenil, poesia, reminiscências, perfis e memórias. Enfim, um escritor que vive essencialmente da literatura, sendo essa a sua grande paixão.


O CONTO

 
NÃO DÁ...

– Quero isto pronto ainda hoje.
– Hoje?
– Hoje.
Olhou o sol declinado e descobriu, aflito, que não conseguiria cumprir a tarefa antes do cair da noite. Mas baixou a cabeça e entregou-se, com a máxima rapidez, a ladrilhar, o suor pingando do queixo, das axilas. Na pressa e no nervosismo quebrou alguns ladrilhos.– Meu Deus.
O sol descia e o ladrilhado avançava pouco. A vista turvou. Sentou-se no chão, abanou-se com o velho chapéu. Fome medonha. Sede medonha. Os passos aproximaram-se:
– E então?
Olhou para ele, súplice:
– Não dá...
Primeiro o pigarro, depois a decisão aborrecida:
– Tudo bem. Chamo outro para o serviço. Pode ir. Venha amanhã receber as horas de serviço.
Ainda quis argumentar, o alpendre era grande. Apenas levantou-se, pôs o chapéu na cabeça e rumou para casa. A primeira pergunta, logo à entrada, os olhos dela esperançosos:
– Arranjou serviço?
A sede confundia-se com a fome. Olhou além dela e viu o monte de ladrilhos e o vasto alpendre.
– Não deu...
Sentou-se à mesa, mãos cruzadas ao queixo, à espera de alguma coisa que ela lhe pudesse trazer para comer.
Ele sempre se sentava na mesma cadeira de encosto alto e se balançava, olhando o tempo através da janela. Ele não mudava de roupa, o mesmo terno amarfanhado e sujo. Ele não calçava sapatos, meias furadas e chinelos, embora engravatado. Ele nunca sorria quando contava os cúmulos-nimbos que corriam no céu. Ele não cortava as unhas. Ele só se levantava para fazer suas necessidades. Ele dormia na velha cama, vestido como estava, mãos cruzadas ao peito, como morto ou como se rezasse. Ele só tomava a sopa chupando muito o caldo da colher, numa sonoridade de doer nos ouvidos e nos ossos. Ele chamava a criadinha, balançava-se na cadeira, e ordenava que ela se despisse. Ele a mandava embora em seguida com um gesto de mão e tédio. Ele pedia o jornal, qualquer jornal, para uma corrida ligeira pelos títulos com os óculos na ponta do nariz e jogava-o depois para o lado. Ele não se escanhoava quando fazia a barba, sentado na cadeira e a criadinha com um espelho na mão. Ele ficava com o rosto pontilhado de espuma. Ele não tomava o remédio que o médico receitara. Ele não cortava os cabelos. Ele roncava, cabeça bambeada, a saliva pingando da boca, quando o tempo ia mal e não se podia abrir a janela. Ele rezava e dizia palavrões. Ele recitava versos e os repetia até ficar rouco. Ele tossia e escarrava no chão. Ele soltava gazes, em seqüências sonoras que alcançavam a vizinhança. Ele resmungava e não dizia palavra. Ele cantarolava surdamente sempre a mesma canção. Ele me olhava com olhar neutro. Ele tossia a noite toda, sujava-se nas calças e não permitia que tocassem nele. Ele infernizava a minha vida e a vida da criadinha. Ele era o nosso pesadelo. Ele ficou assim depois que ela se foi, entre círios e flores. Ele então foi despachado para a companhia dela, depois que trocamos, eu e a criadinha, um olhar de cumplicidade. Ele continuou presente com a sua ausência. Ele me assusta quando olho para a criadinha. Ele a assusta quando ela olha para mim. Ele aumentou enormemente a carga de nosso pesadelo. Ele nos deixou sem remissão.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A LANTERNA DOS LUMIÈRE – CUSACK NA PELE DO GÊNIO

por Enzo Carlo Barrocco


PÕE MISTÉRIO NISSO!

















FILME: O CORVO (The Raven) – Suspense – EUA / Hungria / Espanha - 2012 – 1h51 min. Direção: James McTeigue. Com: John Cusack, Luck Evans, Alice Eve, Brendan  Gleeson, Kevin McNally, Sam Hazeldine, Jimmy Yuill, Pam Ferris , Brendan Coyle


Edgar Allan Poe (Cusack), o célebre autor Americano de “Histórias Extraordinárias” tenta descobrir o assassino que está usando seus contos para matar pessoas inocentes. Para isso, Poe se junta ao detetive Fields (Evans) para evitar que seus enredos grotescos sirvam de base para esses delitos. Excelente adaptação romanceada dos últimos momentos da vida do genial escritor levada a cabo pela belíssima direção de McTeigue. 


A MORTE PREPARA UMA ENTRADA


Enzo Carlo Barrocco



















De repente uma dor
por baixo
das costelas;
chazinho, pomada, luftal ...

Um exame mais apurado –
o médico omitiu o resultado.
A morte prepara uma entrada.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

MARIA FOI BUSCAR ÁGUA



Enzo Carlo Barrocco














Maria foi buscar água.
pote de barro à cabeça,
à linda tarde de terça,
à linda tarde de terça.

Todas as sombras contraem-se
à medida que ela avança,
o sol dourando suas tranças,
o sol dourando suas tranças.

Nada de tristeza ou mágoa,
a tarde desce tranquila;
meiguice a moça destila

à linda tarde de terça,
pote de barro à cabeça,
Maria foi buscar água.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

PÁSSAROS DO ANOURÁ - Poetrix - 3ª Tríade

Enzo Carlo Barrocco


OS ANJOS
 

São cinco ou seis
os anjos que me protegem
de todos vocês.



 

O POEMA E A AVE
 

Pura distração:
a ave pousa inocente,
prende-a o alçapão.


 

CREPÚSCULO
 

Canto o que me invade;
nasce-me um poema-luz
no estertor da tarde.



ALVARENGA PEIXOTO: O POETA INCONFIDENTE

Inácio José Alvarenga Peixoto, poeta fluminense (Rio de Janeiro 1744 – Ambaca, Angola 1793), estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janei...