sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A PAZ ABSOLUTA


ANA ELISA RIBEIRO: SÍNTESE E DENSIDADE

É MESMO



Ana Elisa Ribeiro
(Belo Horizonte 1975)
Poeta mineira

eu quero um amor que dure
mas ele parece ser feito
da matéria esparsa dos calendários

alguém que me procure
mas eles parecem feitos
da matéria esquiva dos obituários

alguém que me aconteça
para eles parecem dizer
que não há quem me mereça

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

MELANCÓLICOS TEMPOS – AS PESQUISAS DE UM ACADÊMICO

Resenha

por Enzo Carlo Barrocco



Saturno nos Trópicos: pesquisa que durou cinco anos

Moacyr Scliar lançou agora em 2007, o livro Saturno nos Trópicos –A Melancolia Européia Chega ao Brasil (Companhia das Letras, 2007, 174 páginas) debruçando-se sobre um gênero que é um dos seus favoritos: o ensaio. Um estudo sobre a melancolia e que custou ao autor cinco anos de insistentes pesquisas, Saturno nos Trópicos é uma verdadeira miscelânea indo da Idade Média dos tempos da Peste Negra à Renascença, que foi uma época dos grandes avanços artísticos e científicos. Scliar faz um estudo muito interessante da cultura brasileira desde os seus primórdios até o século XX comentando sobre vários personagens, como: Jeca Tatu, de Monteiro Lobato e Macunaíma, de Mário de Andrade. No todo, Moacyr Scliar (Porto Alegre 1937) cronista, romancista e ensaísta, divide a sua narrativa em três fases: a antiguidade clássica, a Renascença e o Brasil, especificamente durante a transição para a modernidade. O autor lança mão dos seus conhecimentos médicos para, juntamente com a sua habilidade de escritor, dar vazão a sua erudição, e o resultado é este belo livro que, na minha biblioteca, tem lugar destacado. O próprio Scliar em uma entrevista declarou: “ O tema - a melancolia - sempre me fascinou. Às vezes é considerada doença e às vezes não. Eu me perguntava porquê no início da modernidade houve um enorme interesse pela melancolia. Nessa época houve uma epidemia de melancolia. A modernidade nasceu bipolar: melancólica e maníaca. E continua assim. Antes, a melancolia tinha uma aura artística e filosófica, mas hoje perdeu essa característica e é uma doença chamada depressão. No decorrer desse século a melancolia chegou ao Brasil, que nasceu melancólico porque nasceu com o genocídio indígena, com a escravidão, com a vinda de europeus contrariados, com a destruição da natureza. O Brasil tem um lado melancólico contra o qual a população reage, procurando neutralizá-lo com expressões como o carnaval e o futebol. Mas eu não quis fazer um livro acadêmico, embora tenha muitas citações. Procurei tornar a narrativa a mais amena possível porque eu parto do principio de que, pra ser bom, o livro não precisa ser chato. Ele pode ser um livro que ensine e traga idéias e não precisa aborrecer o leitor”. Scliar além de escritor consagrado é médico sanitarista com uma obra de 67 livros traduzidos para 12 idiomas, já tendo vencido vários prêmios literários, inclusive o Prêmio Jabuti. Recentemente Scliar foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Portanto, Saturno nos Trópicos – a Melancolia Européia Chega ao Brasil, é uma excelente oportunidade para se manter contato com a cultura e a erudição deste multifacetado escritor gaúcho.

TRECHO DO LIVRO Saturno nos Trópicos – A Melancolia Européia Chega ao Brasil

I. O RENASCIMENTO DA MELANCOLIA


A PESTE - E UM LIVRO

Em outubro de 1347 uma frota genovesa vinda do Oriente entrou no porto de Messina, na Sicília. Não foi uma chegada festiva, antes um tétrico espetáculo: quase todos os marinheiros haviam morrido ou estavam agonizantes. De peste.

Medidas foram tomadas pelas autoridades do porto visando isolar a tripulação dos navios - mas pelas cordas que mantinham os barcos atracados já chegavam à terra os ratos portadores das pulgas transmissoras da doença. Em poucos dias o temível mal já se espalhara pela cidade e seus arredores; em seis meses, metade da população morrera ou fugira. Estava começando a grande epidemia da Peste Negra que, a partir de 1347 (ou de 1348: os autores divergem), devastou a Europa, matando um terço da população e aterrorizando os sobreviventes. Narra um cronista da época, sobre a peste em Siena: "A mortandade começou em maio de 1348. É impossível descrever o horror: filhos ficaram sem pais, maridos sem esposas. Ninguém, nem mesmo por amizade ou dinheiro, queria enterrar os mortos, que eram atirados em enormes valas comuns... Ninguém chorava pelos mortos, porque todos esperavam morrer".

Em 1621 foi publicado na Inglaterra um livro intitulado A anatomia da melancolia (The Anatomy of Melancholy). Seu autor era Robert Burton. A obra teve grande sucesso; nada menos do que cinco edições foram publicadas enquanto o autor viveu, e uma sexta, ainda revista e ampliada por ele, saiu após a sua morte. Isso representava uma grande vendagem - o editor gabou-se de ter comprado uma propriedade com os lucros obtidos. Disse um contemporâneo, Thomas Fuller: "Raramente teve um livro, em nossa terra, tanta repercussão e num período tão curto". A história dessas edições envolve até tentativas de pirataria.

No contexto editorial de hoje, tal êxito é surpreendente. Em primeiro lugar, não se tratava exatamente de novidade: já os antigos gregos falavam de melancolia. Depois, não é um texto exatamente curto. Há uma edição de bolso (do New York Review of Books) que não cabe em qualquer bolso: são 1417 páginas. E trata-se de pesquisa exaustiva: Burton cita abundantemente e algumas partes são, na verdade, uma sucessão de citações, não raro em latim culto - à época um idioma já expulso por rudes línguas vernáculas, mas ainda usado como prova de conhecimento e erudição. É enorme a lista de autores a que recorre - inclusive e principalmente os da Antiguidade clássica: Plutarco, Juvenal, Ovídio, Catulo, Apuleio, Sêneca, Plínio, Heródoto... Mais do que isso, Burton aborda enorme quantidade de assuntos, como demonstra o índice remissivo: Alquimia e Amazonas, Apoplexia e Antimônio, Apetite e Aritmética, Anjos e Açores, para ficar só na letra A. É como se estivéssemos surfando nos sites de uma memória enciclopédica e prodigiosa. É verdade que a erudição não prejudicava a comunicação. Como Montaigne, Burton escrevia bem, de forma agradável, informal mesmo. Tratava-se de um pessimista - ele acreditava que o mundo só havia piorado desde a Criação -, mas era um pessimista bem-humorado. Consolando os maridos traídos, sustentava que essa é uma condição comum em muitas partes do mundo; que certos esposos, como acontece com a Lua, periodicamente exibem cornos. Com erudição ou com humor, o certo é que Burton fez renascer nos círculos intelectuais um termo que já existia, mas que agora ganhava novo significado. Burton estava falando de uma renascida melancolia.

A peste retorna à Europa, um livro sobre a melancolia é editado com grande sucesso. Pergunta: que há de comum entre esses fatos? A resposta mais óbvia é: nos dois casos trata-se de doença. Mas não é bem assim. A peste é, inquestionavelmente, uma doença. A melancolia, como veremos, às vezes é doença e às vezes não é. Além disso, a peste avança rapidamente para a cura ou para a morte. A melancolia se prolonga no tempo e sua evolução tem caráter indefinido.

Agora: há sim uma conexão entre as duas situações. A peste, doença transmissível, dissemina-se pela população. A melancolia também pode disseminar-se - uma espécie de contágio psíquico -, dominando o clima de opinião e a conjuntura emocional em um grupo, uma época, um lugar. E isso enseja a questão que é o nosso ponto de partida: seria o livro de Burton a ponta de um iceberg emocional, o reflexo de uma conjuntura psicológica e filosófica? Que conjuntura foi essa? Tratou-se de um fenômeno isolado, ou veio a repetir-se? Qual a relação, por exemplo, entre a melancolia e a chegada dos colonizadores ao Brasil, ocorrida quase exatamente no meio do período histórico considerado? Teria essa conjuntura um caráter cíclico, repetindo-se em outro lugar, em outra época?

Essas são as perguntas para as quais tentaremos achar respostas nas páginas que seguem. Para isso precisamos primeiro examinar o cenário em que surge a melancolia renascida.

(...)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

JIRAU DIVERSO Nº 13

JIRAU DIVERSO
Nº 13 – março.2007
por Enzo Carlo Barrocco

A poesia alagoana de José Inácio Vieira de Melo

O POEMA

AVE

Uma prece desponta na poeira:
neste defumador, bruma das almas,
nessa cruz da paixão. É sexta-feira –
falam no vinho em consoante flama.

Num cântico, tanger toda essa gente,
adentrar as cancelas dos currais,
e a prece, assimilada na tangente,
erguendo templos, constrói capitais.

O chocalho dos deuses chama a ave:
hora das trancas, bulício de chaves,
e o menino deseja o leite santo.

Reconhece-se nessa procissão
denso crivar da fome em profusão:
longa é a fila aos peitos dessa santa

O POETA

José Inácio Vieira de Melo, alagoano de Dois Riachos (distrito de Olho D´Água do Pai Mané), poeta e jornalista, no convés da fragata desde 1968, é um dos grandes representantes da poesia nordestina atual. A seca, o povo, as mazelas são temas muito bem representados no trabalho deste alagoano. Como ativista cultural, José Inácio organiza diversas coletâneas para novos poetas daquela região. Enfim, um cantador da alma nordestina.

***

ESTANTE DE ACRÍLICO

Livros Sugestionáveis

Publicação Coletiva (Contos)
Autores: Jorge Machado / Paulo von Atzingen / Margareth Refkalefsky
Edição: Secult / FCPTN
Três bons contistas num livro oportuno. O cotidiano de Machado: atento e contemporâneo. A regionalidade de von Atzingen: inflexível e clássico. A concisão de Margareth: envolvente e sensual.

Revisita Selvaggia (Poesias)
Autor: Ronaldo Werneck
Edição: Poemação Produções / Íbis Libris
A poesia de Werneck reunida neste livro que eu diria essencial. Poesias múltiplas.
Depoimentos, fotos, lembretes e lembranças.

Abismo Intacto (Poesias)
Autor Ytérbio Homem de Siqueira
Edição: Livraria José Olympio Editora / Fundarpe
Os poemas místicos de Ytérbio são simplesmente belos. A poesia atrelada à religiosidade, o ponto mais forte nos textos do poeta.

***

A FRASE DI/VERSA

Não ofendas ninguém porque corres o perigo de provocar o poderoso ou de maltratar o fraco.
- Ugo Foscolo (Zante 1778 – Londres 1827) poeta italiano

***

DA LAVRA MINHA

SIMBIOSE

Enzo Carlo Barrocco

Esperemos a palavra
nascida de inumeráveis gargantas,
a simbiose entre homens e ruas,
planta indomável das calçadas.

Porque de agora em diante
é impossível abortar a fala
parida sobre
as muitas pautas dos gramáticos.

Poetas mencionarão sua geografia,
península léxica,
a nova peste contaminará
as páginas dos livros que virão.

AUGUSTO DOS ANJOS: O POETA DAS SOMBRAS


Augusto dos Anjos
(Cruz do Espírito Santo 1884 – Barbacena, MG 1914)
Poeta paraibano


O LAMENTO DAS COISAS

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!


É o soluço da forma ainda imprecisa...

Da transcendência que não se realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...


E é em suma, o subconsciente aí formidando

Da natureza que parou, chorando,

No rudementarismo do Desejo!


O DIÁRIO DOS PENSADORES - PÁGINA 14

A dúvida prudente é considerada o farol do sábio.
- William Shakespeare (Stratford-upon-Avon 1564 - Idem 1616) poeta e dramaturgo inglês

A mais divina das vitórias é o perdão.
- Friedrich von Schiller (Marback 1759 – Weimar 1805) poeta e
dramaturgo alemão

A alegria conserva a saúde e a juventude do coração.
- Arthur Schopenhauer (Dantzig 1788- Frankfurt 1860) filósofo alemão

A formiga só trabalha porque não sabe cantar.
- Raul Seixas (Salvador 1945 – São Paulo 1989) cantor e compositor baiano

Mudar é difícil, mas possível.
- Paulo Freire (Recife 1921 – São Paulo 1997) ensaísta, educador e filósofo pernambucano

És precária e veloz, felicidade, custas a vir. E quando vens não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo e, para te medir, inventaram as horas.
- Cecília Meireles (Rio de Janeiro 1901 – Idem 1964) poeta cronista e jornalista fluminense

Se uma sociedade livre não pode ajudar os muitos pobres, não poderá salvar os poucos ricos.
- Charles F. Kettering (Loudonville 1876 – Dayton 1958) ensaísta e engenheiro americano

A deformidade do corpo não afeta a alma, mas a formosura da alma se reflete no corpo.
- Sêneca (Córdoba, na atual Espanha 04 a.C. – Roma 65 d. C.) dramaturgo, filósofo e político romano

A relação direta entre a tolerância com os pequenos delitos e a ocorrência de crimes menores ainda não foi percebida entre nós.
- José Serra (São Paulo 1942) político e economista paulista

Não tenho a menor idéia de como se faz para manter um casamento.
- Marieta Severo (Rio de Janeiro 1946) atriz fluminense

Conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram quando podiam.
- François Rabelais (La Devinière 1494 – Paris 1553) romancista e humanista francês

terça-feira, 27 de novembro de 2007

AS FLORES PROIBIDAS



DESPEDIDAS


Miniconto

por Enzo Carlo Carlo Barroco









Eram 6 e 30 e, embora a manhã estivesse claríssima, para Regian era uma manhã muito triste. Ao longe o ruído conhecido do velho ônibus de todos os dias, exceto aos domingos, que levaria para a cidade, depois de 20 dias, a prima Odila. Apaixonou-se pela prima de 14 anos, olhos grandes e pretos, cabelos longos e tez parda. Não teve a devida coragem de interpelá-la quando, por vezes, existia a possibilidade. O ônibus parou entre as duas casas do lugar, abriu a porta dianteira e esperou. Regian, por trás de uns velhos coqueiros, observava as despedidas; sentiu um aperto. Mas o que fazer? O coletivo, empoeirado da estrada, desapareceu por trás do mato.

A INSTIGANTE POESIA DE EMILY DICKINSON


Emily Dickinson
Amherst 1830 – Idem 1886

Poeta americana

DENTRE TODAS AS ALMAS JÁ CRIADAS

Dentre todas as Almas já criadas -
Uma - foi minha escolha -
Quando Alma e Essência - se esvaírem -
E a Mentira - se for -

Quando o que é - e o que já foi - ao lado -
Intrínsecos - ficarem -
E o Drama efêmero do corpo -
Como Areia - escoar -

Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -
E a Neblina - fundir-se -
Eis - entre as lápides de Barro -
O Átomo que eu quis!

Tradução: José Lira

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

ALEXEI BUENO: O POETA EDITOR


Alexei Bueno
Rio de Janeiro 1963
Poeta fluminense

EXTRAVIO

Devia a vida ser só isso,
O vinho, o pão, o som da chama.
Sapos no tanque. O olhar mortiço
Do mocho. O luar crivando a cama.

Mãos de mulher cerrando a fresta
Onde entra, como a morte, a bruma.
Mas nos perdemos na floresta
Onde não há árvore nenhuma.

COMO FLAGREI SONINHA SE MASTURBANDO


Miniconto

por Enzo Carlo Barrocco

- Fala de novo como foi que aconteceu?

- Mas eu já contei três vezes?

Marionaldo insistia par que eu contasse novamente como flagrei Soninha se masturbando no caminho do Pequiá.

- “Égua do cara insistente!!”. Tá bom eu conto! Pô, mas é só essa vez!

Foi assim:

- Eu tinha ido à vivenda dos Brito devolver um arco-de-pua que eu tinha emprestado do Nenzinho quando no retorno, às proximidades da Curva do Ipê, avistei Soninha. Apressadamente me escondi para dentro do mato para fazer uma espécie de brincadeira com ela, já que nos conhecíamos há tempos e eu, sem nenhuma maldade, achava que aquilo não iria causar a ela nenhum tipo de dano. O curioso é que antes de chegar onde eu estava escondido, Soninha entrou numa vereda do outro lado da estrada de terra deixando-me frustrado quanto à brincadeira que iria fazer. Mas por que ela entrou no mato? Atravessei a estrada me escondendo pelas touceiras de sororoca e vislumbrei Soninha se agachando ao lado de um tronco caído. Aproximei-me um pouco tomando cuidado para não fazer ruído nas folhas secas e, evidentemente, não ser percebido. Estranhei, pois ela estava com a calcinha nas mãos. Se fosse fazer xixi, pensei, deixaria a calcinha pelos joelhos. Ajeitou-se na direção para onde eu estava. Entreabria as pernas e olhava, olhava e entreabria as pernas novamente. A essa altura eu já estava louco. De repente, Soninha começou a esfregar os dedos por cima da racha. Já havia largado a calcinha e os pêlos estavam cortados rentes. Com a mão esquerda abria os grandes lábios para um dos lados e com os dedos da mão direita esfregava sofregamente o clitóris. Aqui e acolá apertava os bicos dos seios, parava um pouco, tomava fôlego e continuava, fazendo uma expressão de quem vai chegar ao orgasmo. Pensei surpreendê-la, mas sem saber a reação dela, desisti, pois não queria perder aquele belíssimo espetáculo Eu estava ali, escondido pelas touceiras de sororocas assistindo tudo gratuitamente. Nesse momento, com os dedos lambuzados, Soninha os enfiava na vagina, fazendo o conhecido movimento de vai-e-vem. Por fim, voltou a esfregar os dedos no grelo róseo e carnudo completamente encharcado pelo húmus vaginal. Por vezes os esfregava no ânus. Quando chegou ao orgasmo se vergou para trás apoiando-se com as costas no tronco caído. Que cara linda ela fez quando estava no auge do gozo! Como estava, vestiu rapidamente a calcinha, se ajeitou e apressou o passo. Fiquei ali por alguns minutos, quase sem forças para me levantar, pois eu não resisti à cena e, como Soninha, também “fiz justiça com as próprias mãos”.

COLHEITA



ASCÂNIO LOPES E A POESIA MINEIRA DO SÉCULO XX


Ascânio Lopes
Ubá 1906 - Cataguases 1929
Poeta mineiro

SANATÓRIO

Logo, quando os corredores ficarem vazios,
e todo o Sanatório adormecer,
a febre dos tísicos entrará no meu quarto
trazida de manso pela mão da noite.

Então minha testa começará a arder,
todo meu corpo magro sofrerá.
E eu rolarei ansiado no leito
com o peito opresso e de garganta seca.

Lá fora haverá um vento mau
e as árvores sacudidas darão medo.
Ah! os meus olhos brilharão procurando

a Morte que quer entrar no meu quarto.
Os meus olhos brilharão como os da fera
que defende a entrada do seu fojo.

O SEGREDO DE EURÍDICE


Miniconto

por Enzo Carlo Barrocco




Veio um homem e disse algo no ouvido da viúva chorosa. Eu, Celito e Marcílio não conseguimos discernir o que o homem dissera. Percebemos, entretanto, que a viúva esboçou um sorriso. Sabíamos, em caráter oficioso, que Eurídice traía, amiúde, nosso distraído amigo. Daquele momento em diante passamos a desconfiar do homem de óculos de grau e jaqueta jeans que se aproximou de Eurídice ainda há pouco. Quando levantaram o caixão para pô-lo no carro fúnebre o homem do sussurro pegou em uma das alças e, nesse momento, apenas eu percebi que Eurídice com o rosto voltado para o homem, abrira um discreto e gracioso sorriso. Eu, que não tinha nada a ver com isso, não comentei com ninguém. Em vista disso, que prossiga o enterro.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

ANTÔNIO TAVERNARD: O PÁSSARO DOENTE

Antônio Nazaré Frazão Tavernard, poeta, contista, cronista e romancista paraense (Vila São João de Pinheiro, atual Icoaraci 1908 – Belém 1936) caracterizou sua obra pelo sofrimento que a doença o causou parte de sua vida. Tanto a morte quanto os sentimentos melancólicos refletiam radicalmente em seus versos. Sua notoriedade foi conquistada graças a publicação de seus trabalhos em jornais de seu tempo. A poesia de Tavernard passeia por vários movimentos literários – do barroco ao modernismo, passando pelo romantismo e pelo simbolismo. Enfim, um poeta diverso que fez da Amazônia o seu escritório particular. Certa vez escreveu: “Amazônia proteiforme, medonha é um estúdio de assombro singular; nela sente-se, à noite, Deus a trabalhar”. Tavernard tem, ao todo, três livros, dois deles publicados após a sua morte. A narrativa de Antônio Tavernard foi comparada à do poeta, contista, romancista, dramaturgo e ensaísta fluminense Machado de Assis (Rio de Janeiro 1839 - Idem 1908), ao que respondeu com toda a sua modéstia: “com uma diferença: menos talento e mais sofrimento”. Foi um dos redatores da revista “A Semana” que circulou em Belém na década de 1930. Faleceu vítima da hanseníase, incurável nos tempos do poeta. Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Tavernard.

SONHOS DE SOL

“Nesta manhã tão clara é sacrilégio
o se pensar na morte. No entanto
é no que penso úmidos de pranto
os meus olhos cansados.

Sortilégio
de luz pela cidade... As casas todas,
humildes e branquinhas
lembram gráceis e tímidas mocinhas
no dia de suas bodas.

Morrer assim numa manhã tão linda,
risonha, rosicler,
não é morrer... é adormecer ainda
na doce tepidez de um seio de mulher!
Não é morrer... é só fechar os olhos
Para melhor sentir o cheiro do jasmim
Escondido da renda nos refolhos!...
Ah! Quem me dera que eu morresse assim.

VISITA DE SANTO

Meu S. João,
na noite do vosso dia,
com fogueiras brilhando de alegria,
com alegras cantando num rojão,
parai um pouco na melancolia
do meu portão!

Ponde aqui o cordeirinho!...
Sentai no banco a meu lado!...

Tanta estrela no céu, e eu tão sozinho!...
Na terra, tantos sons, e eu tão calado!...

Meu santo bom, por outra noite vossa,
igual a esta (que lembrá-la possa
durante a vida que viver eu vou!...),
mandei-vos, num balão, um sonho lindo
que foi subindo,
foi subindo,
foi subindo,
té que, muito no alto, se queimou...

Mal de muitos?... Eu sei...
Mas também sei
que nunca mais outro balão soltei.
Nunca mais, nunca mais...

........................................................................

Que brisa fria!...

Lá vem o sol como balão dourado!
Levantai-vos, partis?!... Muito obrigado!
DEUS vos pague no céu, meu S. João,
esta parada na melancolia
do meu portão!...

ÚLTIMA CARTA

"Sobre o leito de morte do poeta, foi
encontrado esse papel cheio de letras
trêmulas e manchado de lágrimas".

Por que não me vens ver? Estou doente...
É possível que morra com o luar...
Anda, lá fora, um vento, tristemente,
as ilusões das rosas a esfolhar.
E, aqui dentro, na alcova penumbrada,
onde arquejo, sozinho, sem sequer
a invisível presença abençoada
de um pensamento meigo de mulher,
há o desconsolo imenso, a imensa dor
de alguém que vai morrer sem seu amor...

De quando em quando,
o coração, que sinto
cada vez mais cansado, se arrastando,
marcando o tempo, recontando as horas,
pergunta-me, num sopro quase extinto,
quando é que virás...
Volta depressa, sim?... Se te demoras,
já não me encontrarás...

Ouço, longe, a gemer de harpas eólias...
É de febre... Começo a delirar...

Desabrocham, no parque, as magnólias...
Vem surgindo o luar...
E, como a luz do luar que vem nascendo,
eu vou aos poucos, meu amor, morrendo...

ALVARENGA PEIXOTO: O POETA INCONFIDENTE

Inácio José Alvarenga Peixoto, poeta fluminense (Rio de Janeiro 1744 – Ambaca, Angola 1793), estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janei...